Dueto com Ricardo Zanela
(I) - Ricardo
Se credes em minha dor
Quanto odiais a compaixão,
Dama, fazei-me exceção,
Pois angustura e pavor
M'ativeram mudo em via
D'amor, canto e poesia:
Melisse, coisa que for,
Aconselhai-me, qual guia.
(II) - Melisse
Símil sou na vida minha
Às abíssicas sonuras
Mas, vem, trove tuas tristuras
Pois que invoco da andorinha
Todo o lume edificante
P'ra que a treva delirante
Qual sussurra e se avizinha
Vá s'embora e doravante.
(III) - Ricardo
Egéria, gélida bruma
M'enseja cordial suspiro:
Desabo, choro, me firo
Em grande amor que avoluma
Pior, álgido inconforto
Qu'ela, vendo-me quas' morto,
Não mantém piedade alguma,
Eis trevas, meu desconforto.
(IV) - Melisse
Que vil tortura, quão cruel!
Ouço o pranto tão revolto
Qual ecoa adentro, solto,
Em tu'alma de umbra e fel;
Se este Manto, gris, te chama,
Beije à Lira que balsama
Tuas angústias de papel
No versejar da tua flama.
(V) - Ricardo
A longínqua joia altiva,
Poesia, egéria Melisse,
Morna, como se partisse,
Tanto, tanto, que s'esquiva
Dos lábios a inspiração,
Que afonos sustam canção:
Língua já inexpressiva
Que vale à surda audição?
(VI) - Melisse
Seja, pois, a própria dor
Seja o teu tormento ardente
Ao pavor d'alma eminente
Devolvendo Lira, Amor...
Caro meu, se te enamora
Tal pesar que só te aflora
Cale a pena, regue a flor
Cujo caule é de Pandora.
(VII) - Ricardo
Egéria, a voz sibilina
Que usais, paço de ternura,
Conselha, não assegura,
Contra minh'opoente sina;
Se Egéria tal se interessa,
Bel, que me faça promessa:
A flor poética germina
Na angustura nada egressa?
(VIII) - Melisse
Deitas ao leito tranquilo
Que D'ela, o canto, ouvirás
Como o alvor e os seus sabiás
Soando belíssimo trilo;
E assim, no pranto rimar,
Verás musa, o estro lunar
A beijar-te, sem vacilo,
Como agora em teu rogar.
(Tornada I) - Ricardo
Aura diurnal pôde impor
Vossa jura, vosso alvor;
É dom que portais, Egéria:
Apreço de rósea flor.
(Tornada II) - Melisse
Sob, da Poesia, este manto,
Meu caro, de enlevo santo,
Morremos p'ra Ela em miséria
Vivemos por ode e pranto.