Dueto com Ricardo Zanela

 

The Poets Theme, por John Callcott Horsley (1817 – 1903)

 

(I) - Ricardo
Se credes em minha dor
Quanto odiais a compaixão,
Dama, fazei-me exceção,
Pois angustura e pavor
M'ativeram mudo em via
D'amor, canto e poesia:
Melisse, coisa que for,
Aconselhai-me, qual guia.

(II) - Melisse
Símil sou na vida minha
Às abíssicas sonuras
Mas, vem, trove tuas tristuras
Pois que invoco da andorinha
Todo o lume edificante
P'ra que a treva delirante
Qual sussurra e se avizinha
Vá s'embora e doravante.

(III) - Ricardo
Egéria, gélida bruma
M'enseja cordial suspiro:
Desabo, choro, me firo
Em grande amor que avoluma
Pior, álgido inconforto
Qu'ela, vendo-me quas' morto,
Não mantém piedade alguma,
Eis trevas, meu desconforto.

(IV) - Melisse
Que vil tortura, quão cruel!
Ouço o pranto tão revolto
Qual ecoa adentro, solto,
Em tu'alma de umbra e fel;
Se este Manto, gris, te chama,
Beije à Lira que balsama
Tuas angústias de papel
No versejar da tua flama.

(V) - Ricardo
A longínqua joia altiva,
Poesia, egéria Melisse,
Morna, como se partisse,
Tanto, tanto, que s'esquiva
Dos lábios a inspiração,
Que afonos sustam canção:
Língua já inexpressiva
Que vale à surda audição?

(VI) - Melisse
Seja, pois, a própria dor
Seja o teu tormento ardente
Ao pavor d'alma eminente
Devolvendo Lira, Amor...
Caro meu, se te enamora
Tal pesar que só te aflora
Cale a pena, regue a flor
Cujo caule é de Pandora.

(VII) - Ricardo
Egéria, a voz sibilina
Que usais, paço de ternura,
Conselha, não assegura,
Contra minh'opoente sina;
Se Egéria tal se interessa,
Bel, que me faça promessa:
A flor poética germina
Na angustura nada egressa?

(VIII) - Melisse
Deitas ao leito tranquilo
Que D'ela, o canto, ouvirás
Como o alvor e os seus sabiás
Soando belíssimo trilo;
E assim, no pranto rimar,
Verás musa, o estro lunar
A beijar-te, sem vacilo,
Como agora em teu rogar.

(Tornada I) - Ricardo
Aura diurnal pôde impor
Vossa jura, vosso alvor;
É dom que portais, Egéria:
Apreço de rósea flor.

(Tornada II) - Melisse
Sob, da Poesia, este manto,
Meu caro, de enlevo santo,
Morremos p'ra Ela em miséria
Vivemos por ode e pranto.

Conheça o trabalho do poeta Ricardo Zanela em seu Instagram, @ricardo_zanela

Sara Melissa de Azevedo

Como Escritora, tenho inúmeros semblantes, sempre em busca do lírico, do intenso e do profundo. Como Poetisa, tenho a eterna sensibilidade e a vívida paixão. Como pessoa comum, sou mais uma na multidão em busca de compreender a si mesma. SAIBA MAIS

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