É possível estar pronto para a tecnologia?

Jonelle Summerfield

Há umas semanas escrevi o artigo “Não estamos prontos para a tecnologia” — considero, inclusive, que ele seja lido antes deste. Notei, a posteriori, que algumas pessoas defendem o abandono pleno das redes sociais, mantendo somente as mais importantes que são, no geral, uma de entretenimento amplo e outra de contato com as pessoas via mensagem e ligação. Comprei esta ideia por algum momento até perceber que, à distância, não se pode aprender a lidar com um estímulo negativo.

Em outras palavras, se abandonarmos completamente o uso de todas as redes sociais, não evoluiremos individualmente para sermos capazes de viver nas próximas eras que, pelo que tudo indica, será cada vez mais tecnológica. Precisamos desse contato com as redes sociais para que tenhamos mais consciência de nossas escolhas. Algo que o ser humano desenvolveu tão pouco é a consciência de suas próprias escolhas e a capacidade de assumi-las em todas as suas consequências boas e ruins.

Não é uma convivência fácil, conhecer os próprios limites é importante para isso. Conseguir conviver com o mundo virtual requer uma mudança gradual de compreensão da realidade; você terá que ver a vida humana de outra forma, fazer sua mente aceitar que as redes sociais são desperdício de tempo e, a partir disso, decidir se vale a pena perder esse tempo que poderia facilmente agregar valor se usado para alguma outra coisa mais interessante e/ou importante. Você pode escolher perder meia hora do seu tempo aos domingos, ou aos sábados, ou numa quinta-feira de trabalho exaustivo; mas, como eu disse, é preciso ter consciência da escolha e de suas consequências.

Se você decide conscientemente que pode e deve perder trinta minutos do seu tempo em um aplicativo de vídeos curtos, deve estar pronto para lidar com a montanha-russa de emoções que vai ativar diversos hormônios em seus órgãos internos, você poderá rir e chorar várias vezes nesses trinta minutos, você terá raiva, ódio, medo e também terá sua autoestima e libido afetadas. Ao término dos trinta minutos, você pode sofrer uma resistência mental em fechar o aplicativo — que é feito para te manter nele a todo o custo — e, se conseguir fechá-lo, poderá sentir uma estranha necessidade de voltar a ele ao longo do dia, além de ter dificuldades de dormir a noite por causa da quantidade de estímulo mental em tão pouco tempo.

Escolhas e consequências. Como lidar com isso? Posso dizer como eu lido. Começo a ver os vídeos curtos do aplicativo, se um deles me emociona, eu paro de assistir e fecho o aplicativo; se um deles afeta minha autoestima ou libido, eu faço o mesmo. E abro o aplicativo uma vez por dia e nunca depois de três horas antes de me deitar para dormir. Além disso, o tempo máximo para utilizá-lo é de dez minutos. Vale ressaltar que geralmente assisto de dois a cinco vídeos curtos nesse aplicativo, porque tudo o que vem ali é feito para te emocionar, dificilmente completo os dez minutos. Já no site de vídeos mais longos, uma hora, dia sim e dia não — isso porque neste caso eu posso escolher pontualmente o que irei consumir, então é de minha responsabilidade saber escolher corretamente; não adianta tomar atitudes e depois sabotá-las.

Você não precisa fazer o mesmo que eu faço, no entanto, perceba o quão consciente é preciso estar para perceber cada emoção e sentimento que esses estímulos trazem sorrateiramente; não é nada fácil, principalmente quando se está habituado à altas doses de estimulação. Nesses casos, quando diminuímos a quantidades, tendemos a ficar ainda mais em disforia.

Alguns experimentos comportamentais com ratos mostram que quando um rato deixa de receber comida ao abaixar a alavanca — tal como ele recebia antes, isto é, já estava condicionado, já aprendeu a abaixar a alavanca para se alimentar — ele tende a abaixá-la dezenas de vezes consecutivas. O mesmo funciona para nosso corpo. Quando cessamos o estímulo contínuo que dávamos ao cérebro, tendemos a ficar ansiosos e nervosos porque o cérebro está fazendo de tudo para retomar o nível de estímulo que ele estava tendo. É como se ele estivesse abaixando a alavanca do estímulo continuamente na esperança de “reativar” o estado anterior. Depois de um tempo, se você não ceder, o cérebro se acalma, a mente se aquieta e você para de sentir os sintomas da disforia. Mas pode levar semanas até todo o processo estar completo e, durante esse tempo, você pode ter várias crises — que são resolvidas com facilidade se você se alimentar bem, dormir bem e fazer no mínimo trinta minutos de exercícios físicos todo o dia.

Portanto, sem dúvida é possível estar pronto para a tecnologia, contudo, como se pode notar, é preciso uma intensa autolapidação e, na verdade, essa consciência, essa capacidade de notar seus estados mentais, perceber o que te faz mal e compreender as consequências de suas escolhas é algo de extrema importância para todas as instâncias da existência humana. Não vale a pena se afastar completamente das redes sociais para sempre, podemos tirar um tempo delas, um tempo para que possamos acalmar nosso cérebro e deixar de sentir os sintomas de disforia; mas precisamos aprender a conviver com as redes acima de tudo e, principalmente, precisamos aprender a conviver com nós mesmos respeitando nossos limites e nossos potenciais, até porque o único trabalho que realmente dignifica o ser humano, é o trabalho do autoconhecimento e autoconsciência.

Sara Melissa de Azevedo

Diga-me, apreciaste esta obra? Conta-me nos comentários abaixo ou escreva-me, será fascinante poder saber mais detalhes da tua apreciação. Eu criei esta obra com profundo e inestimável amor, portanto, obrigada por valorizá-la com tua leitura atenta e inestimável. Meu nome é Sara Melissa de Azevedo. Sou Escritora, Poetisa e Sonurista. Formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial. Sou a Anfitriã dos projetos literários Castelo Drácula e Lasciven. Autora dos livros “Sete Abismos” e “Sonetos Múrmuros”. SAIBA MAIS

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