O Diário de Laurien
Esfriara. Minha pele está mais nívea e meu rosto mais magro. Estou esquálida de espírito e, de tanta imersão na mediocridade, estou desabitada; minha energia tornou-se vapor cinéreo contornando o nadificante vazio do abismo do mundo humano. Não há quem possa me encontrar no breu imortal de meu ser, tampouco na cálida algidez de minha mente; intriga-me que me vejam e que gerem sobre mim imagéticas compreensões jamais assentadas sobre o fenômeno mesmo — o fenômeno mesmo que eu sou. Eu nada espero do mundo, porque reconheço a sua desordem abundante e a sua fome e sede por olhos, olhos que podem ver como os meus veem, olhos quais ninguém, um dia, foi capaz de realmente fitar.
A melancolia é meu recôndito, e há de sempre ser, pois que o é a cada dia mais e a cada noite ela se desvela outra vez dentro de meu pranto imanente. Noite… A noite é o deus que cultuo e, quando de frente à sua esplendorosa glória sou posta a louvá-lo através da poética mais ingênua que meu peito comporta, reconheço o porque de minha misantropia; é graça que todos se denominem relutantes ao afeto humano, ao vínculo, ao encontro; todavia no cerne da suma maioria o que reside é, tão somente, a saudade; já em mim, nem saudade, nem paixão, nem loucura. À serenidade da solidão, meu próximo gole de sangue; à razoabilidade dos homens, meu próximo escarro negrume. Enquanto os observo sinto a aragem do desabrigo, a natureza não é capaz de julgar, então recorro à sua imensidão, minhas pálpebras se fecham e eu durmo no sorrir tênue do amanhecer.