Desperta
Quão amarga é a solidão do silêncio absoluto, o abismo que sangra em palavras mortas. Meus olhos fitam meu retorno, e de repente vejo o nascer das trevas em meu peito, a poesia da escuridão ao lado do horizonte noturno. O espírito da finitude não beija meus lábios, de alguma forma eu sei disso. Despertei pela fresta de luz de um luar brando e vívido. Lembrei-me dos caminhos que fiz pelos sonhos mais frígidos e sei que atravessei cordilheiras distantes e precipícios símeis aos pélagos úmidos e aos arvoredos orvalhados.
A poeira ao redor sobre os lençóis de cetim escarlate, o espelho embaçado, as teias tecidas com esmero pelas aracnídeas cuja natureza é fascinante e silente. Estou acordada. O mundo humano ainda é o mesmo? A lua ainda reside no firmamento, embora as estrelas aparentem estar muito mais distantes do que outrora. Apoio-me no balaústre da varanda, quão alta esta torre se faz… posso ver o abismo e todos os pinheiros negros ao redor, junto à parte do castelo que está tomado por neve e galhos secos, sinto — enquanto estremeço — a brisa internamente densa em sua gélida composição. É inverno. Pela palidez que cai a neve em lentidão, não tenho dúvidas que estou no ápice da estação mais frígida. Quantos anos se passaram? Por que não envelheci?
Não ouço nada além do sibilar mórbido da aragem estonteante, e dos corvos a crocitarem tristes vez ou outra. Tenho pouquíssimas memórias, sinto-me como n’um nascimento prematuro, ainda entranhada em reminiscências do ventre em suas sombras, calidez e sons imprecisos, nada mais. Ainda não me fiz destrancar este umbral que me separa dos recônditos obscuros d’este lugar, pois temo — eis a razão desoladora. Do fogo que acendi na lareira umedecida, emergiu-me uma imagem efêmera de olhos escarlate e uma intensa dor em minh’alma, então senti minhas pálpebras estafantes, adormeci serena e lôbrega nos braços de alguém que não me lembro o semblante. Agora escrevo, porque posso não sentir a vida ebulir em minhas veias, mas sinto as mais fúnebres emoções que a ela pertencem.
N'alcova em solinura eu m'afligia, | Terror de pesadelos: abundante! | Nesta umbra-consciência algo plangia | Em mórbido sonar arrepiante...