Estigma
Disparada seguiu pelos claustros do castelo Vonssihren, embora mantivesse sua elegância; a aragem era doce e tenra, beijando seu rosto com a serenidade de um amanhecer, conquanto o crepúsculo se anunciasse no horizonte. Buscava, Sorinne, por sua amiga Anne, em partes desejava contar-lhe que, porventura, o amor, em busca do lume que o guia, tivesse, por fim, ascendido com suas primeiras folhas para acima da terra úmida. No entanto, em contrapartida, queria uma solidão que lhe afagasse as emoções mais intensas; n’este estar-si-só, Sorinne poderia refletir no ocorrido e, quem sabe, dedicar-se à lembrança do restaurador de livros, continuamente. Todavia, por infortúnio, suas opções foram fendidas por um desagradável encontro.
— Se-senhorita Sorinne! — A voz era afinada, o semblante suado expressava a surpresa da súbita colisão que tiveram ao virarem, ambos apressados, na aresta que levava aos dormitórios femininos. Sorrine, desconfortável, arfou sua impaciência com a força suave de seus pulmões. — Pe-pe-perdoa-me…
— Perdoar-te-ei se tu deres-me licença… — N’uma rápida reverência, Sorinne tentou passar por Magnus para, assim, seguir seu caminho. Mas fora impedida por ele que, inábil, a impediu colocando-se frente a ela enquanto enxugava seu rosto com um pequeno pano que retirara de seu bolso. — Como ousas?
— E-eu buscava… pela… senhorita… Pre-preciso… — A expressão da senhorita Vonphennen poderia incinerar quaisquer indivíduos impertinentes, se tal poder ela possuísse. Magnus movimentava-se a procura de algo em seus bolsos. Demorou, para Sorinne, uma eternidade; até que um papel amassado foi segurado pelas mãos ensopadas do senhor Nohrantii, o qual, pelo nervosismo, já sentia um certo arrependimento pelo que ainda sequer fizera. Mesmo assim, pensou ele, já estava ali, não haveria mais possibilidades de fuga.
Magnus era um homem esguio; ficava à mesma altura de Sorinne que tinha a estatura um pouco acima do que previa a sua linhagem. O rosto do sujeito era oval, seus olhos eram de um verde-musgo. Sorinne o odiava apenas por odiar, não havia razões razoáveis para tal desdém. No entanto, naquele hórrido encontro, sentiu que a razão mais plausível para o seu ódio era a lentidão com que o senhor Nohrantii comportava-se, sem nenhuma segurança de si mesmo.
— A-amada… — Magnus respirou fundo, tentando ler o que redigira naquele pequeno papel. E assim o fez, com o esforço verossímil de suas intenções.
“Amada Sorinne
Sol da manhã
Concedo-te um poema
Escrito na manhã
No pensar do teu rosto
Feminil e delicado
Como um quente pão moço
Cheiroso, quente…
Como és…
Como teus belos pés…
Sol minha, da manhã”.
— Fascinante… — Sussurrou Sorinne, não fora ouvida. Seu desânimo diante os versos de Omir consumiam-na com uma impetuosidade pavorosa. Magnus entregou-lhe o papel em seu estado anojoso. Sorinne segurou com a ponta dos dedos.
— O que achas? — Magnus a olhava com atenção e na tentativa de estar próximo, impunha-se contra ela, a qual se afastava como podia. Sorinne bocejou.
— Continue treinando… — Virou-se para seguir, mais uma vez, o seu caminho; no entanto, o odiado a impediu pela terceira vez, segurando-a pelo braço esquerdo.
— Quero saber! — Sua fina voz fremeu dando-lhe um tom mais sólido e seus olhos, de um verde-musgo, pareciam como dois poços de escuridão. Sorinne ficou incrédula com a ousadia de Magnus e, surpresa, não soube como reagir n’um primeiro momento, apenas percebia a umidade daquela mão em sua tez.
— Retira tua mão de mim! — Um silêncio pairou entre eles.
— N-não. Até me dizeres… o que achaste? — Sorinne se enfurecia de tal modo que sentia seus olhos flamejarem. O aroma que advinha de seu desagradável odiado, lhe enojava. Então forçou para que seu braço se desprendesse. Foi em vão. Magnus, obstinado e, decerto, descontrolado, a segurou com ainda mais violência, o suficiente para lanciná-la.
Embora Sorinne fosse uma mulher forte, em especial de alma e caráter, por vezes sentia-se sensível quando situações desagradáveis perdiam o controle diante dela. A dor em seu braço fora o estopim para o lacrimal nascer em suas retinas e a fúria, amargando seu coração, parecia ter nascido dentro de suas veias, como resposta de seu organismo.
— Péssimo! Sequer devia ser denominado poema. Rimas idênticas? Que falta de criatividade! Mencionar meus pés? Comparar-me a um pão? Tua infâmia impudica exala junto com teu suor e, mórbida, desonra a poética. Afasta-te de mim agora, ou gritarei o suficiente para ser ouvida por Dom Vonssihren. — Magnus a desprendeu, sua feição era de amargura e seus pensamentos eram, de fato, perversos. Desejou tomá-la à força, escondê-la eternamente em uma gruta perdida para, então, obrigá-la a amá-lo. No entanto, ele possuía um genuíno pavor de Vonssihren, em razão de suas políticas para com o império que leva seu nome e, em especial, pelas histórias a respeito de seus poderes sobrenaturais. Dom Vonssihren, pelas lendas, era capaz de saber a verdade da essência de um sujeito com o proferir de, tão somente, duas únicas palavras em seu idioma oculto.
Sorinne deixou o local, mais célere do que outrora ali havia chegado. Lágrimas escorriam como pequenas estrelas mortas em sua face e, por longas horas, sentiu-se contaminada e suja. Esquecera de sua recém-alegria; temera sofrer outra vez, vestira suas angústias como de costume e pelo espelho viu o estigma em seu braço, bem visível, um leve contorno violáceo dos dedos de Magnus — que se arrependera de suas ações naquela mesma noite, quando Dom Vonssihren o convocara à sua sala-mestral.
Disparada seguiu pelos claustros do castelo Vonssihren, embora mantivesse sua elegância; a aragem era doce e tenra, beijando seu rosto com a serenidade de um…